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sábado, 1 de setembro de 2012

As crianças de Sarepta

Brincadeiras puras valiam o espetáculo. O conversar, gritar e chamar eram típicos. As duas colheres na mesa anunciavam as guloseimas. É hora. A fortuita alegria quebrava qualquer gelo. Os passos apressados e o novo desafio de chegar primeiro... de novo. Lá fora o cantar dos pássaros, goiabas maduras, vento fresco, maçãs verdes e vermelhas quase a cair; poços e caminhos que levavam aos currais, a casinha das largatixas, o limoeiro próximo às laranjeiras, e de longe, o gado a pastar, pastagens verdejantes, fartura à toa. O sol coloria. Não havia monotonia. O latir avisava que alguém estava chegando. Era tarde. Os passos se aproximavam e o suspiro denunciava a fadiga.

Era a terra. O campo já tinha sido trabalhado. A esperança antecipava a sobrevivência. Voltam-se às brincadeiras, viajavam alegres bem cedo e abriam os currais, pernas rápidas e pequenas, risadas se intercalavam. Era dia. E o amanhecer ficava mais calmo e sereno. O sol beijava a terra e andorinhas pousavam nos coqueiros. A terra vermelha ilustrava os pés miúdos. O café exalava de dentro e alcançava os papagaios no telhado.

Uma roda se fazia. Era hora. O momento de experimentar os sabores da terra. A colheita foi justa. O sussurro do vento e o tampar das nuvens anunciavam águas sobre a terra. O primeiro trovão alarmou. Ainda brincavam. O espetáculo da natureza começava ganhar mais solidez e as águas fortaleciam ribeiros. O plantio estava pronto. Dentro, o ar simples, sorrisos, olhares, inocência e paz, pernas e braços, infância e futuro agradeciam.

Três anos se passaram. Veio o nada. Tudo já não era mais como antes. Tudo secou. Natureza e caos se misturavam, confundiam. E os pés se tornaram lentos e juntos buscavam sustento. Era hora de esperar mais um pouco, mas a vida perdia seus rumos. O último poço guardava água de mais um sábado, de somente um dia; o alimento também era o último. Era sábado. Palmas chamavam do portão. O latir fraco, com fome; o cão não se preocupava. Atenderam. Era um estranho, estava sujo, cansado. Pedia água e comida para sua caminhada de dois dias. Impossível! exclamou o pai; a mãe balançou rapidamente a cabeça e mostrou a situação. O estrangeiro reconheceu a dificuldade do lar. Nas árvores, os dois meninos gritam, chamavam os pais. A mulher vai ao encontro e vê seu filho mais velho com um pedaço de pão e um copo de água nas mãos. Eles oferecem a última refeição ao estrangeiro. Os adultos não entendem. O estrangeiro come e é convidado a entrar.

Conversam sobre todas as coisas e a crise. Abrigam da melhor maneira, mesmo com tantas dificuldades; as crianças o olham com olhares tristes, mas atentos. As horas passam. O estrangeiro se despede e agradece pelo alimento e a água. Todos entram e a monotonia se faz no presente tempo. Havia um papel esquecido pelo estranho na mesa, as crianças correm para chamá-lo, mas já era tarde. Um dos meninos na volta pra casa lê a seguinte frase no papel: "Tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês cuidaram de mim. Vocês são chamados hoje para uma nova vida, uma vida que jorra a partir de agora, como as águas dos ribeiros que traziam tantas felicidades a vocês. Esperem em Deus, pois voltará o tempo de paz à terra. Jesus Cristo."

As pernas voltaram a correr com mais força e intensidade. Entraram e não fecharam o portão. Entregaram o papel aos seus pais. Era domingo. As cores voltaram a aparecer, o gado também suportou. Os pássaros voltaram. A crise acabou. Os pés corriam e as mãos ainda seguravam o papel. Vizinhos foram chamados para um café à tarde. Contaram as boas novas. Espalharam o papel. E queriam trazer à vida a eternidade perene. A sinfonia dos canarinhos, os vôos rasantes das gaivotas, as pombas mais brancas que a neve, as cabras a berrar com gratidão, o cão, que voltara a brincar com tudo ao redor, as cigarras a cantar, as formigas que trabalhavam, anunciavam os tempos de paz. Mas era preciso anunciar as boas notícias. E tudo fazia sentido. Era noite. Lá dentro, os olhares, as palmas, os cânticos, os salmos entoados, as orações, os sorrisos, os semblantes quebrantados, a inocência e a pureza, a infância e o futuro, celebravam, agradeciam e assim a vida continuava... a jorrar.

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